sábado, 12 de abril de 2008

De Celso Vasconcellos
UNIDADE REGIONAL DE EDUCAÇÃO DE IMPERATRIZ

SERVIÇO DE SUPERVISÃO ESCOLAR
MATERIAL BASE PARA ORIENTAÇÕES DO PERÍODO DIAGNÓSTICO: Fragmento de texto “Intrumentos de avaliação” in: VASCONCELLOS, Celso dos S. Avaliação da aprendizagem: práticas de mudança – por uma práxis transformadora. 5. ed. São Paulo: Libertad, 2003. Pág. 128-132.

Capítulo 2: CONTEÚDO E FORMA DA AVALIAÇÃO
• Instrumentos de Avaliação
Na reflexão crítica sobre seus instrumentos de avaliação, os professores têm formulado as seguintes questões básicas: como são preparados? Como são aplicados? Como são analisados/corrigidos? Como os resultados são comunicados. O que vai se fazer com os resultados?
a)Elaboração
Considerando a importância da avaliação, há toda uma solicitude na confecção dos instrumentos. Formulações apressadas, repetitivas, evidentemente, não contribuem para a boa qualidade da avaliação.
O objetivo dos instrumentos de avaliação é levantar dados da realidade (em cima dos quais se dará o julgamento e os encaminhamentos necessários). Ora, para que o julgamento possa se dar adequadamente, os dados obtidos devem ser relevantes, e, essenciais (face a uma infinitude de dados possíveis de serem coletados, é preciso escolher, de acordo com um projeto), fidedignos (não falseados, que possam revelar, tanto quanto possível —sempre numa perspectiva de aproximação—, a realidade como é) e atualizados (pouca valia têm dados defasados da situação discente).
Apontamos, a seguir, alguns critérios para a elaboração dos instrumentos
de avaliação numa perspectiva libertadora:
 Essenciais: dão ênfase áquilo que é fundamental, aos conteúdos realmente significativos, importantes, em consonância com a proposta de ensino.
 RefIexivos: levam a pensar, a estabelecer relações; contemplam situações complexas (solução de problemas, experimentação, projeto, estudo de caso); solicitam funções psicológicas superiores (atenção voluntária, memória lógica, pensamento abstrato, formação de conceitos, livre arbítrio, etc. — cf. Vygotski, 1995: 313), superando a mera repetição de informação (“Faça conforme modelo”, “quem?”, “onde?”, “quando?”); respeitam a inteligência dos alunos.
 Abrangentes: o conteúdo da avaliação é uma amostra representativa do que está sendo trabalhado, a fim de que o professor tenha indicadores da aprendizagem do aluno na sua globalidade.
 ContextuaIizados: as solicitações são acompanhadas de texto, gráfico, tabela, esquema, desenho, figura, foto, etc. A contextualização permite a construção do sentido do que está sendo pedido. Ouvimos muitas vezes a queixa de que “Os alunos não sabem ler enunciado”; será que se trata de problema de “leitura” (mera decodificação) ou de construção da significação?
 Claros: dizem bem objetivamente o que se quer; têm boa visualização gráfica, cuidado estético; há correção gramatical (ortografia, concordância, pontuação). Quando se deseja mesmo saber como o aluno está, a solicitação é a mais clara e objetiva possível; quando o professor utiliza subterfúgios, pegadinhas (enunciados ambíguos ou capciosos, frases de duplo sentido), está testando outra coisa, mas não tem elementos sobre como está se dando a construção do conhecimento por parte do aluno.
 Compatíveis: no mesmo nível de complexidade do dia-a-dia: nem mais fácil, nem mais difícil, usando, inclusive, uma linguagem de aproximação em relação ao trabalho realizado em sala de aula (“como vimos”, “ao trabalharmos tal assunto , cf. Moretto, 2001).
Na elaboração, de acordo com o que visa, o professor pode propor vários tipos de questões (ex.: desenhar, associar, completar, múltipla escolha, cruzadinha, etc.), favorecendo diferentes formas de expressão dos alunos, não deixando, no entanto, de trabalhar as dissertativas, que possibilitam ao aluno expressar-se em sua linguagem, encorajam-no a organizar e expressar seu pensamento, além da leitura exercitam a redação e ainda exigem maior grau de elaboração conceitual.
Quando o professor faz questões “cumulativas” (relativas a conteúdos passados), elas não valem nota, a fim de não transformar a prova em momento de terrorismo para o aluno, para, apesar de sua boa intenção, não provocar estresse no aluno pelo fato de ter de voltar, a cada prova, a rever toda a matéria (o que induz à “decoreba”).
A decisão sobre o tipo de instrumento utilizado depende, basicamente da realidade (matéria-objeto de conhecimento, nível de ensino, número de alunos, tempo disponível, etc.) e dos objetivos que se tem naquele momento (simples levantamento de dados, elaboração mais completa da síntese do conhecimento, etc.).
A discussão sobre o instrumento preparado pelo professor tem se revelado um bom caminho de formação em avaliação, uma vez que possibilita a reflexão a respeito do que ele quer (ajuda a clarear as finalidades do ensino) e sobre o que realmente está exigindo dos alunos (se é o essencial, se a formulação está apropriada, etc.).

b)Aplicação
Busca-se a avaliação processual, para superar aquela forma de realização onde se tem rituais, exigências, posturas especiais, que geram um clima de cobrança, de medo.
O momento de resolução de um instrumento de avaliação é um trabalho, devendo ter as condições apropriadas. Para isto, algumas iniciativas têm-se revelado importantes durante as atividades avaliativas:
• Estabelecimento de um ambiente de confiança;
• Deixar claras as regras do jogo;
• Esclarecimento aos alunos do que se espera da avaliação;
• Disponibilidade do professor de fazer da avaliação mais um momento de aprendizagem;
• Previsão de tempo adequado para resolução, a fim de não causar ansiedade e possibilitar que aluno expresse o que realmente domina.
É um engodo ficar-se preso à forma imediata do instrumento, achando, p. ex., que toda avaliação tem de ser feita a partir do caderno, que não se pode dar folha mimeografada como atividade de avaliação. Mais uma vez, a questão essencial não está no aspecto formal, técnico, mas na atitude, na postura acolhedora e dialógica.
c)Análise
Já se denunciou bastante a falta de rigor, de objetividade nos julgamentos feitos pelos professores, especialmente nas “correções de prova”: a mesma prova tem resultados bem diferentes se corrigida em épocas diferentes, quando é a primeira do pacote de provas ou a última, por diferentes professores, quando o aluno começa acertando ou errando, etc. (cf. Vasconcellos, 2002e). Faltam critérios claros, definidos, coerentes, tanto em termos de correção, quanto de determinação de valores.
Assim, por exemplo, numa atividade de avaliação, o professor solicita interpretação, gramática e produção de texto, e dá o mesmo valor para todas as partes, como se não houvesse parte mais importante, como se a produção não fosse um elemento fundamental que precisaria ser mais valorizado. Numa outra situação, o professor afirma: “A prova será baseada no livro texto”, querendo dizer que o que o aluno souber a mais ou de outra forma não poderá ser explicitado.
Para afinar o critério de correção, muitos professores primeiro analisam um conjunto de atividades e só depois começam a atribuir valores; uma outra prática é analísar primeiro uma questão de todos os alunos e só então passar para a seguinte. No processo de análise, o professor está aberto a outros caminhos de resolução e, às vezes, até de interpretação. Um critério bem adequado é o de considerar o processo de resolução, o raciocínio feito pelo aluno e não apenas o resultado, sobretudo nas avaliações nas áreas de Matemática, Ciências da Natureza e Tecnologia.
d)Comunicação dos Resultados
Para terem efeito positivo no processo educativo, os instrumentos são o mais rapidamente possível analisados e devolvidos aos alunos (garantindo a devida privacidade para não expor aluno diante de colegas), e não acumulado para serem “corrigidos” só no final do mês ou período, sem que o professor possa captar logo as necessidades e sem que o aluno possa tomar consciência- de seu desenvolvimento.
Na devolutiva, o professor não se centra apenas nos limites; destaca os
aspectos positivos, ampara e só depois faz a crítica (“Excelente!, como primeira
versão” — cf. Penna Firme).
Ao aluno é solicitada uma reflexão crítica da própria produção, a tomada de
consciência da sua situação no processo de aprendizagem (metacognição).
A prática comum de se corrigir a atividade de avaliação na sala de aula nem
sempre é satisfatória, pois pode ocorrer que os alunos que foram bem não se
interessem, por achar que aquilo já é uma etapa vencida; os que foram mal, podem
não se interessar por conta da insatisfação diante dos resultados. Um caminho de superação é levar para sala novas atividades envolvendo os conteúdos/objetivos que não foram atingidos (verificados na correção), de maneira a envolver o conjunto dos alunos, e em especial aqueles que precisam vencer suas dificuldades.
De qualquer forma, é importante o aluno ter garantido pelo menos o espaço para solicitar esclarecimentos sobre a correção feita pelo professor; isto é o mínimo que se espera numa relação democrática de ensino. Volta aqui a questão da transparência: não há lugar para discursos evasivos (“Depois vamos ver”; “Você sabe como se saiu na avaliação ). Lembrar questão do círculo hermenêutico: não se pode concluir a elaboração de sentido sobre a prática de um sujeito sem ouvi-lo.
e)Tomada de Decisão
Esta é uma dimensão essencial da avaliação, pois revela qual a sua intencionalidade, o seu compromisso. Os educadores que já avançaram, alteram a postura diante dos resultados da avaliação, qual seja, utilizam a avaliação para
perceber as necessidades dos alunos e logo planejar o que fazer para ajudá-los
a superá-las:
Os objetivos não atingidos pelos alunos são retomados e retrabalhados imediatamente em sala de aula;
• O professor faz auto-análise para saber se há necessidade de rever sua forma de ensinar aquele conteúdo;
• Estes objetivos são incluídos na próxima avaliação, dando oportunidade de expressão da nova síntese de conhecimento e permitindo ao professor saber se os alunos superaram a dificuldade.
CONCLUINDO

Neste capítulo, refletimos sobre o conteúdo e a forma da avaliação, aquilo que dá existência, corpo à avaliação, i. é, a possibilidade de se manifestar concretamente. Para além dos instrumentos, há toda uma gama de iniciativas da instituição e dos educadores que podem ser tomadas para favorecer uma nova prática.
O que vislumbramos é que os professores tenham uma tecnologia educacional “incorporada”, qual seja, que precisem cada vez menos de artefatos, mas que possam desenvolver mentefatos (cf. D’Ambrosio, 1989: 48) avaliativos (nele e nos alunos). Pensemos, por exemplo, num engenheiro muito experiente: não precisa de mil relatórios —conquanto precise de alguns— para saber se uma obra está indo bem ou não; sua larga experiência refletida fez com que interiorizasse critérios de observação e análise. Analogamente, em suas aulas, o professor não precisará ficar preenchendo a cada instante fichas de avaliação com número de participantes, tempo disponível, clima, temperatura, nível de interesse dos alunos, grau de participação, representações mentais prévias dos discentes, conteúdo anterior trabalhado, conteúdo posterior, articulação com outras áreas de conhecimento, reação do aluno, olhar de não entendimento, colocação inadequada de um conceito, etc. No entanto, todas estas preocupações estarão presentes e orientarão sua prática. Almeja-se, pois, que com o tempo o professor incorpore uma nova tecnologia de avaliação, de maneira que confie na sua experiência, na sua intuição e fique mais livre de instrumentos formais —embora estes não possam ser eliminados—. Como esta “intuição” não é nata, tem de ser trabalhada, construída, e constantemente criticada.
Cabe, por fim, lembrar que, para que venham a se constituir em práxis transformadora, as várias iniciativas avaliativas devem estar articuladas com a nova intencionalidade (analisada no capítulo anterior), bem como a outras dimensões do processo educativo (como veremos nos próximos capítulos).

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Eu tenho uma espécie de dever,

de dever de sonhar

de sonhar sempre,

pois sendo mais do que

um espectador de mim mesmo,

Eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso.

E assim me construo a ouro e sedas,

em salas supostas, invento palco,

cenário para viver o meu sonho entre luzes brandas

e músicas invisíveis.

Fernando Pessoa


Sonho Impossível

Sonhar, mais um sonho

impossível

Lutar quando é fácil ceder

Vencer o inimigo invencível

Negar quando a regra é vender

Sofrer a tortura implacável

Romper a incabível prisão

Voar num limite improvável

Tocar o inacessível chão

É minha lei

É minha questão

Virar este mundo

Cravar este chão

Não importa saber

Se é terrível demais

Quantas guerras

terei de vencer

Por um pouco de paz

E amanhã

Se esse chão que eu beijei

For meu leito e perdão

Vou saber que valeu

Delirar e morrer de paixão

E assim,

Seja lá como for,

Vai ter fim

A infinita aflição

E o mundo

Vai ver uma flor

Brotar

do impossível chão

Tradução: Chico Buarque


A árvore que não dá frutos

É xingada de estéril.

Quem examina o solo?

O galho que quebra

É xingado de podre, mas

Não havia neve sobre ele?

Do rio que tudo arrasta

Se diz que é violento,

Ninguém diz violentas

As margens que o cerceiam.

Bertold Brecht


“Penso que a escola devia cuidar primariamente da fala dos alunos,

único meio de comunicação que a maioria deles terá pela vida toda,

uma adequada terapia da fala (e do pensamento nela expresso),

quem sabe, encaminharia uma natural terapia da escrita”.

Pedro Luft




Onde você vê um obstáculo,
alguém vê o término da viagem
e o outro vê uma chance de crescer.

Onde você vê um motivo pra se irritar,
Alguém vê a tragédia total
E o outro vê uma prova para sua paciência.

Onde você vê a morte,
Alguém vê o fim
E o outro vê o começo de uma nova etapa...
Onde você vê a fortuna,
Alguém vê a riqueza material
E o outro pode encontrar por trás de tudo, a dor e a miséria total.

Onde você vê a teimosia,
Alguém vê a ignorância,
Um outro compreende as limitações do companheiro,
percebendo que cada qual caminha em seu próprio passo.

E que é inútil querer apressar o passo do outro,
a não ser que ele deseje isso.
Cada qual vê o que quer, pode ou consegue enxergar.

"Porque eu sou do tamanho do que vejo.
E não do tamanho da minha altura."

Fernando Pessoa


Dispersão

Perdi-me dentro de mim

Porque eu era labirinto,

E hoje, quando me sinto,

É com saudades de mim.

Passei pela minha vida

Um astro doido a sonhar.

Na ânsia de ultrapassar,

Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,

Não tenho amanhã nem hoje:

O tempo que aos outros foge

Cai sobre mim feito ontem.

Sá Carneiro


Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
 

Luís Vaz de Camões


 

Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,
Está no pensamento como idéia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,

Como matéria simples busca a forma.

Luís Vaz de Camões


 

Amo como ama o amor.

Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar.

Que queres que te diga, além de que te amo,

se o que quero dizer-te é que te amo?

Fernando Pessoa