quarta-feira, 30 de abril de 2008
"Nós não somos máquinas"
Profissão Mestre – Qual é o principal objetivo da educação?
Rubem Alves – O objetivo da educação não é transmitir informações, é ensinar a pensar. Daí a criança vai por conta própria. A gente aprende é fazendo, com as mãos. Na escola, as crianças aprendem nomes, mas não aprendem o que eles significam. Estudei numa escola do Rio de Janeiro e tive de decorar vários nomes para passar nas provas. Só que o Jardim Botânico ficava a dez quarteirões da escola e o professor nunca nos levou lá. Quer dizer: bastava que a gente conhecesse os nomes, não importava se a gente já tivesse visto as plantas ou não.
PM – Na sua opinião, o que é ensinar?
RA – A palavra ensinar é imprecisa porque tem várias coisas que a gente tem de ensinar. Por exemplo, pode-se ensinar as coisas aprendidas pelas gerações passadas para que as gerações novas não tenham de partir da estaca zero, do tipo amarrar o sapato, somar, diminuir. Depois tem de ensinar aquilo que a gente não sabe. Se alguém pergunta onde fica rua tal. Eu não sei onde fica, mas sei ensinar como ela pode descobrir.
PM – Que tipo de ensino o senhor acredita ser o mais importante? Por quê?
RA – O segundo, porque o que a gente sabe fica obsoleto muito rapidamente. E está nos livros. Então não é preciso que os professores ensinem. O importante hoje é aprender a descobrir. Mas há ainda um terceiro tipo de coisa que se ensina, que é completamente diferente das duas primeiras e tem a ver com a sensibilidade. Gostar de música, aprender a apreciar, ensinar a gostar da poesia. E esses ensinos de sensibilidade não nos ensinam a fazer nada, mas ensinam a sentir, e isso é realmente importante na vida. As primeiras coisas que citei nos dão meios para viver, mas somente a sensibilidade nos dá razões para viver, e é justamente isso que é mais ausente nos nossos sistemas educacionais.
PM – E por que as escolas não trabalham mais a sensibilidade?
RA – É muito simples: não cai no vestibular.
PM – O senhor é um divulgador do trabalho realizado na Escola da Ponte, em Portugal. O que ela tem de diferente?
RA – Tudo. Lá não existe programa a ser seguido. Vou dar um exemplo. Quando aconteceu o 11 de setembro, a escola inteira parou o que estava fazendo, porque não tinha mais sentido estudar qualquer coisa, aquela era a grande lição. A escola se pôs, inteira, a estudar o Afeganistão. A história, a cultura, a economia, a religião, tudo referente ao Afeganistão.
PM – O que faz a Escola da Ponte funcionar tão bem?
RA – Os professores. É preciso que os professores estejam comprometidos com aquele modelo e eles precisam estar dispostos ao risco de não saber. Porque, a qualquer momento, o aluno vai perguntar uma coisa que ele não sabe, e como é que vai ser? Então, o que acontece? Lá, o professor vai ensinar o aluno a procurar. Aqui no nosso programa, o professor sabe a matéria, ele dá a matéria.
PM – Se hoje o método de ensino da Escola da Ponte fosse implementado aqui no Brasil, daria certo?
RA – Não. Do jeito que é hoje não. Porque aqui no Brasil a gente tem um programa para ser seguido, e o programa é mortal para a aprendizagem.
PM – O que faz o programa ser mortal?
RA – Ele pressupõe que pode-se pegar os conhecimentos e colocá-los um atrás do outro. Mas isso não é possível. Isso é completamente anti-pedagógico. Veja que coisa absurda: toca a campainha, o aluno tem 45 minutos para pensar Matemática. Toca a campainha de novo, 45 minutos para pensar Geografia, troca o canal, começa a pensar Português. As nossas escolas foram feitas segundo o modelo das linhas de montagem. Coloca o aluno na linha de montagem, vem uma professora e parafusa Geografia, outra professora parafusa História. Mas isso simplesmente não funciona, e a prova é que, se todos fôssemos fazer vestibular agora, se todos os reitores das universidades fossem fazer vestibular, ninguém ia passar, porque todo mundo esqueceu. Foi tempo perdido. O que se faz é perder tempo nas escolas. Não há psicologia que justifique isso. É completamente imbecil, o pensamento não funciona desse jeito. Nós não somos máquinas.
PM – Nesse sentido, o que falta nas escolas brasileiras?
RA – Cada um trabalhar no seu ritmo. Na Escola da Ponte, os estudantes trabalham durante o dia. Não tem uma hora em que a professora aperta a campainha e diz: “pára de pensar isso, vai pensar aquilo”. É isso que falta nas nossas escolas.
PM – Muitos educadores vão até Portugal conhecer a Escola da Ponte, vêm com várias idéias inovadoras, mas não as aplicam. Por quê?
RA – Se as escolas começarem a trabalhar como a Escola da Ponte, vão perder alunos. Os pais são os maiores inimigos da educação, porque eles não estão interessados na educação dos filhos; estão interessados em que eles estejam preparados para passar no vestibular. Então, eles sentem medo que os filhos tentem um caminho alternativo que não prepare para o vestibular. Eu estou fazendo uma generalização, tem muita gente que não é assim. Mas eu diria que a maioria quer que o aluno aprenda e vá bem no vestibular, porque assim eles julgam que a solução está sendo realizada. Então o problema, na verdade, é com os pais. Mas algumas poucas o fazem, aquelas de ensino fundamental.
PM – Por que escolas de nível fundamental?
RA – Porque quando o aluno começa a crescer e o vestibular começa a se aproximar, os pais tiram desse tipo de escola e começam a procurar escolas “fortes”.
PM – E existe solução para esse problema?
RA – Sabe o que faria uma assepsia nessa situação? Uma coisa extremamente simples, que ninguém jamais fará: abolir o vestibular e substituir pelo sorteio, que é a minha sugestão. A primeira vez que eu ouvi essa idéia, achei completamente doida.
PM – E o que aconteceria se o vestibular fosse substituído pelo sorteio?
RA – A primeira conseqüência é que as escolas estariam livres para ensinar do jeito que quiserem. E os pais não teriam mais medo do vestibular. Vão ficar danados com o sorteio, mas vão analisar as escolas por outros critérios. Segundo: acabam os cursinhos pré vestibular. Os pais de classe média e alta iam economizar esse dinheiro fantástico. Terceiro: vai haver possibilidades justas para todos. Para os pobres, para os negros, para os homossexuais, para as mulheres. Não vai mais precisar esse negócio ridículo de cotas. Essa idéia foi criada só para provocar ódio contra os negros, pois eles estarão roubando vagas de alunos que tiveram notas mais altas que eles. Quarto ponto: eliminaria a terrível tensão que acomete os alunos. No Japão, a quantidade de adolescentes que cometem suicídio é uma coisa assombrosa porque eles não agüentam tanta pressão. E aqui no Brasil acontece a mesma coisa. Então acabaria também com tanta briga entre pais e filhos, porque os pais ficam atormentando os filhos para passar no vestibular. Ou seja, faria uma assepsia total.
PM – Falando em vestibular... O mercado de trabalho não comporta todos os trabalhadores e o fato de ter um diploma já não é mais diferencial. A que se deve então a abertura de tantas faculdades no Brasil?
RA – Isso é um grande engodo. São duas coisas: de um lado tem os pais (os pais são muito tolos, eles tem aquele orgulho de ter um filho diplomado, se o filho quer ser carpinteiro, é uma vergonha; orgulho é ter filho médico), de outro, tem o mercado que não tem emprego para tanta gente formada. Haja perturbação mental para dar trabalho a tanto psicólogos que estão espalhados por aí. Não tem emprego. O que acontece? Os pobrezinhos vão vender sanduíches. Isso é verdade no Brasil. A multiplicação das faculdades é feita porque o diploma se tornou um bem vendável, todo mundo quer ter.
PM – Como o professor pode ensinar as crianças a descobrir as coisas de forma diferente?
RA – A visão do professor que eu tenho não é de uma pessoa que sabe uma disciplina e vai ensinar – aliás eu detesto essa palavra: “disciplina”, é militar – o professor é um sedutor. Ele tem de seduzir o aluno para o brinquedo que ele ensina. É esse sentimento de se divertir que provoca a criatividade. Se o aluno é ruim em Matemática, é porque o professor não ensinou que aquilo é uma brincadeira divertida. Eu pensei em um currículo que fosse todo construído no entorno mais próximo da criança, que é a casa. A casa tem tudo para você aprender. Numa sala, por exemplo, você aprende Geometria. Você conta quantos ladrilhos tem, você aprende hidráulica, Matemática, Biologia, ótica, porque na casa tem instalações hidráulicas, elétricas, tem fungos, tem bichos, tem espelhos. Sou contra laboratórios em escolas, a casa é um laboratório muito melhor. Na escola, a professora leva as crianças para um laboratório e mente; ela diz que é naquele lugar que se faz ciência. É mentira. Ciência você faz no cotidiano. É assim que você vai ter todos os elementos para ensinar as crianças a pensar.
PM – Alguns professores e gestores sentem-se provocados com as suas opiniões. Qual o seu objetivo com essas provocações?
RA – Eu não tenho um objetivo. Não penso na colheita, só na semeadura. Coloco essas questões porque elas estão dentro de mim. Eu não sei o que as pessoas que se sentirem bicadas vão fazer com isso. Talvez se tornem mais criativas. Só que uma coisa é instigar a criatividade de um professor, outra é ver essa criatividade se transformar em inovações dentro do sistema educacional. Mas o que eu sinto é que parece que está acontecendo no Brasil um movimento de criatividade muito grande na área de educação. Muita gente está trazendo inovações e projetos para a educação e isso é muito positivo.
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Eu tenho uma espécie de dever,
de dever de sonhar
de sonhar sempre,
pois sendo mais do que
um espectador de mim mesmo,
Eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso.
E assim me construo a ouro e sedas,
em salas supostas, invento palco,
cenário para viver o meu sonho entre luzes brandas
e músicas invisíveis.
Fernando Pessoa
Sonhar, mais um sonho
impossível
Lutar quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender
Sofrer a tortura implacável
Romper a incabível prisão
Voar num limite improvável
Tocar o inacessível chão
É minha lei
É minha questão
Virar este mundo
Cravar este chão
Não importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras
terei de vencer
Por um pouco de paz
E amanhã
Se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu
Delirar e morrer de paixão
E assim,
Seja lá como for,
Vai ter fim
A infinita aflição
E o mundo
Vai ver uma flor
Brotar
do impossível chão
Tradução: Chico Buarque
É xingada de estéril.
Quem examina o solo?
O galho que quebra
É xingado de podre, mas
Não havia neve sobre ele?
Do rio que tudo arrasta
Se diz que é violento,
Ninguém diz violentas
As margens que o cerceiam.
Bertold Brecht
“Penso que a escola devia cuidar primariamente da fala dos alunos,
único meio de comunicação que a maioria deles terá pela vida toda,
uma adequada terapia da fala (e do pensamento nela expresso),
quem sabe, encaminharia uma natural terapia da escrita”.
Pedro Luft
Onde você vê um obstáculo,
alguém vê o término da viagem
e o outro vê uma chance de crescer.
Onde você vê um motivo pra se irritar,
Alguém vê a tragédia total
E o outro vê uma prova para sua paciência.
Onde você vê a morte,
Alguém vê o fim
E o outro vê o começo de uma nova etapa...
Onde você vê a fortuna,
Alguém vê a riqueza material
E o outro pode encontrar por trás de tudo, a dor e a miséria total.
Onde você vê a teimosia,
Alguém vê a ignorância,
Um outro compreende as limitações do companheiro,
percebendo que cada qual caminha em seu próprio passo.
E que é inútil querer apressar o passo do outro,
a não ser que ele deseje isso.
Cada qual vê o que quer, pode ou consegue enxergar.
"Porque eu sou do tamanho do que vejo.
E não do tamanho da minha altura."
Fernando Pessoa
Dispersão
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.
Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...
Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.
Sá Carneiro
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Luís Vaz de Camões
Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,
Está no pensamento como idéia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.
Amo como ama o amor.
Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar.
Que queres que te diga, além de que te amo,
se o que quero dizer-te é que te amo?
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